Você já se pegou repetindo padrões destrutivos mesmo sabendo que são prejudiciais? Já sentiu que, apesar de toda terapia e autoconhecimento, ainda reage de forma infantil em certas situações? Ou talvez tenha a sensação de que existe uma criança ferida dentro de você que sabota seus relacionamentos, carreira e decisões importantes?
Se essas perguntas tocaram algo profundo em você, não está sozinha. A verdade é que a maioria dos adultos carrega feridas de infância não resolvidas que continuam influenciando suas vidas de formas que nem sempre percebemos.
Este artigo explora, através da experiência de Érika Maldonado — especialista em Constelação Familiar e Cura da Criança Interior — como essas feridas se manifestam na vida adulta e, mais importante, como podemos finalmente curá-las de forma efetiva.
A Verdade Incômoda: Você Nunca Cura 100% as Feridas
“A gente nunca cura 100% as feridas. Elas ficam ali. Qualquer gatilho, qualquer machucadinho que vem em cima, dói de novo.”
Érika começa com uma afirmação que pode chocar quem busca a “cura completa”: não existe cura total das feridas de infância. Mas isso não é desalento — é realismo terapêutico.
Como ela explica: “É igual quando você machuca algo, rala o cotovelo muito feio. Vai ficar uma cicatriz. Toda vez que você olha, lembra.”
A diferença entre quem trabalha suas feridas e quem não trabalha não está na ausência da dor, mas na consciência dela. Quando você sabe que tem uma ferida específica — como injustiça, abandono ou rejeição — você consegue identificar quando ela está sendo ativada e responder de forma mais madura.
Como Identificar Se Você Está na Postura “Criança” ou “Adulto”
A Técnica do “Observador Externo”
Érika ensina uma ferramenta poderosa para autoconhecimento: sempre se coloque como observador da situação.
Como funciona:
- Imagine que você está assistindo um filme da sua própria vida
- Observe suas reações sem julgamento
- Pergunte-se: “Essa pessoa está agindo de forma madura ou infantil?”
Por que funciona: Quando estamos dentro da situação, nossa tendência é nos defender e justificar. De fora, conseguimos ver padrões mais claramente.
Sinais de Que Você Está na “Postura Criança”:
Emocionais:
- Insegurança excessiva sobre capacidades reais
- Medo paralisante do julgamento de outros
- Dificuldade extrema para dizer “não”
- Querer tudo “para ontem” (imediatismo)
- Necessidade constante de aprovação externa
Comportamentais:
- Evitar decisões importantes por medo de errar
- Repetir padrões destrutivos mesmo sabendo que são prejudiciais
- Fazer tudo sozinho mas de forma desorganizada e exaustiva
- Culpar outros pelas próprias escolhas
- Ficar “perdido” quando tem muitas opções
Relacionais:
- Dificuldade com relacionamentos amorosos saudáveis
- Problemas com autoridade ou figuras de poder
- Tendência a assumir papel de “vítima” em conflitos
- Relacionamento complicado com dinheiro
Sinais de Que Você Está na “Postura Adulto”:
- Racionalidade sobre emoção: Você sente, mas não é dominado pela emoção
- Planejamento consciente: Consegue priorizar e organizar ações
- Responsabilidade pessoal: Assume consequências sem culpar outros
- Decisões baseadas no que “precisa” fazer, não apenas no que “quer”
- Capacidade de postergar gratificação quando necessário
As Duas Dimensões da Cura: Sistêmica + Individual
Érika trabalha integrando Constelação Familiar com Cura da Criança Interior porque são abordagens complementares:
Constelação Familiar: A Dimensão Sistêmica
Foca em padrões ancestrais:
- Questões que você repete da sua linhagem familiar
- Dinâmicas entre gerações que se perpetuam
- O que você “herdou” energeticamente dos seus antepassados
Exemplo prático: Todas as mulheres da sua família têm dificuldade com dinheiro. Você repete o padrão mesmo tendo conhecimento financeiro.
Criança Interior: A Dimensão Individual
Foca nas suas feridas específicas:
- Como você interpretou e internalizou as experiências da infância
- Que “verdades” sobre si mesmo você criou quando criança
- Quais necessidades não foram atendidas na época certa
Exemplo prático: Você tinha pais amorosos, mas sempre foram muito críticos. Hoje você é adulto bem-sucedido, mas tem pavor de feedback.
As Cinco Principais Feridas da Criança Interior
1. Rejeição
- Origem: Falta de afeto, carinho, atenção dos pais
- Manifestação adulta: Necessidade excessiva de aprovação, dificuldade de se posicionar
- Gatilhos: Qualquer sinal de desinteresse ou frieza do outro
2. Abandono
- Origem: Pais ausentes física ou emocionalmente
- Manifestação adulta: Dificuldade de confiar, medo de ser deixado para trás
- Gatilhos: Parceiros que precisam de espaço, amigos que demoram para responder
3. Injustiça
- Origem: Punições desproporcionais, comparações, favoritismo
- Manifestação adulta: Necessidade compulsiva de justificar tudo, raiva de “incompetência”
- Gatilhos: Situações onde você se sente tratado de forma desigual
4. Traição/Desconfiança
- Origem: Promessas quebradas, mentiras, inconsistência dos cuidadores
- Manifestação adulta: Dificuldade de confiar, hipervigilância
- Gatilhos: Mudanças de planos, palavras que não condizem com ações
5. Humilhação
- Origem: Ser ridicularizado, comparado negativamente, envergonhado
- Manifestação adulta: Perfeccionismo excessivo, medo de errar publicamente
- Gatilhos: Situações onde você pode ser julgado ou avaliado
Por Que Não Podemos “Esquecer” o Passado
“Esquecer é excluir. E quando tem exclusão, a gente só se ferra.”
Érika é categórica sobre uma tendência moderna perigosa: tentar “apagar” o passado difícil.
O Problema da Exclusão:
- Aquilo que excluímos, repetimos: O que não olhamos tende a voltar de forma ainda mais intensa
- Perda de aprendizado: Experiências difíceis contêm sabedoria valiosa
- Fragmentação interna: Rejeitamos partes de nós mesmos
A Abordagem Correta: Ressignificação
Em vez de: “Vou esquecer que meu pai me abandonou” Faça: “Meu pai me abandonou, mas me deu o principal: a vida. Que feridas ele carregava que o impediram de ser mais presente?”
Em vez de: “Não quero mais lembrar da minha infância difícil” Faça: “Minha infância foi difícil, mas me ensinou a ser resiliente e independente”
O Conceito Sistêmico: Você É 50% Pai + 50% Mãe
“Nós somos 50% o nosso pai e 50% a nossa mãe. Você só vai estar 100% quando se sentir abastecido da sua força.”
Como Isso Funciona na Prática:
Se você julga seu pai: Você rejeita 50% da sua própria força Se você julga sua mãe: Você rejeita os outros 50% Se você não “toma” nenhum dos dois: Você opera com déficit energético constante
O Processo de “Tomar os Pais”:
Não significa concordar com tudo que fizeram, mas:
- Reconhecer que eles fizeram o melhor que conseguiam com os recursos que tinham
- Aceitar que eles também carregavam feridas das suas próprias infâncias
- Honrar o fato de que, através deles, você recebeu a vida
- Integrar os aspectos positivos que você herdou de cada um
Importante: Este é um processo diário e contínuo, não um evento único.
A Criança Interior: Lado Luz vs. Lado Sombra
Lado Luz da Criança (Para Ser Integrado):
- Criatividade: Ideias inovadoras, pensamento fora da caixa
- Espontaneidade: Capacidade de se divertir e ser autêntico
- Curiosidade: Vontade de aprender e explorar
- Intuição: Percepções que a mente racional não alcança
- Alegria: Capacidade de se emocionar com coisas simples
Lado Sombra da Criança (Para Ser Cuidado):
- Imediatismo: Querer tudo “para ontem”
- Irresponsabilidade: Não medir consequências
- Dependência: Esperar que outros resolvam seus problemas
- Reatividade: Explosões emocionais desproporcionais
- Insegurança: Dúvida excessiva sobre próprias capacidades
O Diálogo Interno: Como Conversar com Sua Criança Interior
Técnica do Diálogo Consciente:
1. Identifique quando sua criança está no comando
- Você está reagindo emocionalmente?
- Está evitando responsabilidades?
- Sente medo desproporcional à situação real?
2. Faça uma pausa e “converse” com ela
- “Entendo que você está com medo, mas agora preciso que você me deixe cuidar disso”
- “Obrigado(a) pelas ideias criativas, mas agora vou organizar prioridades”
- “Sei que isso te lembra algo doloroso do passado, mas a situação atual é diferente”
3. Assuma o comando como adulto
- Tome a decisão baseada na razão, não apenas na emoção
- Aja pensando nas consequências de médio e longo prazo
- Mantenha-se centrado mesmo que a criança queira “fazer birra”
Exemplo Prático:
Situação: Você quer sair do emprego para empreender Criança: “Quero sair agora! Odeio esse trabalho!” Adulto: “Entendo sua frustração, mas vamos primeiro organizar as finanças, fazer um plano e aí sim sairemos de forma responsável”
Por Que Não Conseguir Fazer Dieta É Questão Emocional
Érika usa o exemplo da dificuldade para fazer dieta para ilustrar como feridas emocionais se manifestam em comportamentos aparentemente “simples”.
A Equação Real:
Todo pensamento gera um sentimento Todo sentimento gera um comportamento
Pensamento: “Preciso comer um doce porque estou morrendo de vontade” Sentimento: Ansiedade, vazio emocional Comportamento: Come o doce
A Intervenção:
Sistêmica: Descobrir que ferida está sendo ativada (ex: solidão que remete à falta de afeto materno) Cognitiva: Comandar conscientemente o pensamento: “Não vou comer agora. É o mesmo esforço mental” Prática: Preencher o vazio emocional com autoafeto em vez de comida
O Exercício Prático de Reconexão
Érika conduz um exercício poderoso de visualização para reconectar com a criança interior:
Etapas do Exercício:
- Coloque-se em um lugar onde se sinta livre e seguro
- Observe sua criança caminhando em sua direção — mas ela para a certa distância
- Identifique como ela está: Triste? Com raiva? Machucada?
- Reconheça o abandono: “Sinto muito se te deixei sozinha aqui no passado”
- Faça o convite: “Preciso que você venha comigo”
- Estabeleça a parceria: “Só vai ter graça se você vier comigo”
- Proponha a cura: “Chegou a hora de curar a doença”
- Celebre o reencontro: Abracem-se simbolicamente
Sinais Durante o Exercício:
Se você sentiu desconforto: Indica feridas que precisam ser trabalhadas Se a criança estava triste: Mostra questões de abandono ou rejeição Se foi difícil visualizar: Pode indicar desconexão severa que precisa de acompanhamento profissional
Ferramentas Práticas para o Cotidiano
1. Âncoras Visuais
- Mantenha uma foto sua criança visível
- Use objetos que remetam à infância de forma positiva
- Crie um “altar” simbólico para sua criança interior
2. Rituais de Conexão
- Ouça músicas da sua infância
- Assista filmes/desenhos que você gostava
- Pratique atividades lúdicas sem objetivo produtivo
3. Perguntas de Autoavaliação Diária
- “Estou tomando decisões baseadas no que preciso ou no que quero?”
- “Minha reação foi proporcional à situação real ou está misturada com algo do passado?”
- “Estou assumindo responsabilidade ou culpando outros?”
4. O Teste dos 50%
- “Estou me sentindo abastecido pela força do meu pai?” (autoridade, direção, proteção)
- “Estou me sentindo abastecido pela força da minha mãe?” (acolhimento, nutrição, cuidado)
- “Onde sinto falta? O que preciso trabalhar?”
Quando Buscar Ajuda Profissional
Sinais de Que Você Precisa de Acompanhamento:
Padrões Repetitivos Severos:
- Relacionamentos que sempre terminam da mesma forma destrutiva
- Sabotagem sistemática de oportunidades profissionais
- Vícios ou comportamentos compulsivos
Sintomas Emocionais Intensos:
- Ansiedade ou depressão que interfere no dia a dia
- Raiva desproporcional a situações cotidianas
- Isolamento social extremo
Incapacidade de Funcionar:
- Não conseguir manter trabalho ou relacionamentos
- Decisões importantes sempre postergadas por medo
- Sensação de estar “travado” na vida
A Jornada É Diária e Eterna
“O processo de tomar os pais é um processo diário e eterno. A gente tem que desconfiar de quem fala ‘eu já tomei meus pais’ porque a palavra tomar significa aceitar 100% de tudo, e isso é muito desafiante.”
Por Que É Um Processo Contínuo:
- Novas situações ativam feridas antigas em contextos diferentes
- Relacionamentos íntimos tendem a despertar nossas questões mais profundas
- Fases da vida trazem desafios que podem reativar inseguranças da infância
- Stress e pressão nos fazem regredir a padrões mais primitivos
Como Encarar Essa Realidade:
Não como falha: “Por que ainda sinto isso se já trabalhei tanto?” Mas como humanidade: “É natural que feridas antigas se ativem em novas situações”
Não como retrocesso: “Voltei à estaca zero” Mas como refinamento: “Agora posso perceber nuances que antes não via”
O Passado Não Fica no Passado — E Isso É Bom
“O passado não fica no passado. Muito do que a gente vive hoje é projeção do que já vivemos.”
Por Que Essa É Uma Boa Notícia:
- Você pode entender padrões atuais olhando para experiências passadas
- Cada situação presente é uma oportunidade de cura
- Você não está condenado — tem ferramentas para mudar
- Suas experiências difíceis contêm sabedoria valiosa
Como Usar Isso a Seu Favor:
Quando sentir uma reação desproporcional, pergunte:
- “Isso me lembra de quê da minha infância?”
- “Que ferida está sendo ativada aqui?”
- “Como meu adulto pode cuidar dessa situação de forma diferente?”
Para Reflexão: Onde Você Está Olhando?
Érika usa uma metáfora poderosa: imagine que o presente está na sua frente, o futuro à sua frente, e o passado atrás de você.
Se você tem questões não resolvidas no passado, inconscientemente você fica “virado para trás” — sua energia está presa tentando resolver algo que já aconteceu, em vez de estar disponível para o que está acontecendo agora e o que pode acontecer à frente.
Perguntas para reflexão:
- Em que situações você sente que está “preso” no passado?
- Que padrões você está cansado de repetir?
- Se sua criança interior pudesse falar, o que ela diria que mais precisa de você agora?
- Como seria sua vida se você conseguisse integrar a criatividade e espontaneidade da criança com a responsabilidade e sabedoria do adulto?
A Cura Como Integração, Não Eliminação
A proposta de Érika não é “matar” a criança interior, mas integrá-la de forma saudável. Sua criança carrega dons preciosos — criatividade, espontaneidade, capacidade de alegria — que você não quer perder.
O objetivo é:
- Deixar o adulto no comando das decisões importantes
- Permitir que a criança contribua com sua criatividade e intuição
- Cuidar das feridas para que elas não sabotem sua vida
- Honrar sua história sem ficar preso nela
Como Érika resume: “A gente nunca vai ter resultados na vida adulta se essa adulta não olhar para trás e falar: ‘Vamos lá, deixa eu dar uma olhadinha no que aconteceu lá atrás. Estou disposta a passar por esses desconfortos.'”
A jornada de cura da criança interior não é sobre se tornar invulnerável — é sobre se tornar consciente. É sobre transformar feridas em sabedoria e permitir que todas as partes de você trabalhem em harmonia.
Este artigo foi baseado na conversa entre Érika Maldonado e o podcast Cosmicamente, explorando aspectos práticos da Constelação Familiar e Cura da Criança Interior. Para mais conteúdos sobre desenvolvimento pessoal autêntico e ferramentas terapêuticas efetivas, continue acompanhando nossa jornada de autoconhecimento real.
Lembre-se: cura não é sobre perfeição — é sobre consciência, responsabilidade e integração.